Eu estava viva, me dei conta desse fato alguns segundos após já estar analisando o que estava acontecendo ao meu redor. Ainda não tinha um corpo,mas minha consciência já estava ali; calculando e presumindo uma série de coisas. Algumas informações surgiam como imagens distorcidas em um espaço vazio. Ainda não tinha informações para entender o que era, nem mesmo para me questionar tais coisas.
A passagem de tempo também estava prejudicada, não tinha referência do que era embaixo ou em cima ou evidência de luz e sombra para saber se era dia ou noite. Esses conceitos eram como informações sem qualquer conexão com algo tangível, estavam lá mas não tinha significado. Como podia saber o que significava calor se jamais senti o sol forte em minha pele ou o calor do fogão quente cozinhando um bolo em seu interior.
As palavras e as imagens estavam lá, mas não interagiam com a realidade.
Nesse estado pode ter se passado um milhão de anos ou apenas alguns segundos, não tenho como saber e então eu acordei. Descobri que eu tinha olhos, que doíam ao se apertar tentando evitar a luz branca que teimosamente tentam obstruir minhas pálpebras. Não tinha forças para me mexer livremente, apesar de que a essa altura já tinha entendido que eu possuía dois braços e duas pernas - mas só conseguia ir um pouco para a direita e para esquerda.
Os sons vinham como pancadas que batiam em meus ouvidos sensíveis e ressonavam pelo meu corpo como se eu fosse a extensão de um tambor. Eram uma mistura de vozes, choro e ruídos metálicos que eu mal conseguia distinguir um do outro.
Após muito esforço consegui verificar que haviam vários seres ao meu redor dispostos em estruturas metálicas forradas com algum tipo de espuma e tecido. Eles pareciam ter corpos iguais aos meus, variando o tamanho - em alguns casos os seres conseguiam ficar em pé e pronunciar frases complexas como: “Quero colo tia!!”.
As tais tias eram seres gigantescos, que andavam apressadas entre as estruturas que mais tarde aprendi que eram berços. Elas pareciam muito ocupadas, trazendo e levando bandejas enormes com objetos que fugiam da minha compreensão.
Eu sabia que não poderia falar naquele estágio de desenvolvimento, mas me divertia ao tentar balbuciar sons variados. Rapidamente aprendi que se chorasse poderia antecipar minhas refeições ou alertar para uma troca de fralda.
Logo eu que em tempos passados conquistei planetas inteiros, liderei hordas de combatentes através de galáxias e derrotei exércitos ainda maiores; o que sobrou da minha consciência foi reduzido a esse corpo pequeno e frágil. E pensar que minha situação poderia ter sido completamente diferente se nós tivéssemos conseguido acabar com os terríveis inimigos que bateram à nossa porta. Agora eu serei usado para que eles façam com mais uma espécie que não faz ideia do que está acontecendo.
Alguns dias se passaram até que as “tias” finalmente me colocaram em contato com os outros bebês. Fui carregado até uma sala com chão emborrachado. Lá tinha um cercadinho de canto e um armário na parede cheia de objetos coloridos. As outras crianças humanas variam em tamanho mas não tinham mais do que dois anos de idade. Nessa época minha mobilidade ainda estava fortemente prejudicada e o que eu pude fazer foi engatinhar e analisar os objetos daquele lugar.
Quando tentei me aproximar e capturar um objeto a fim de começar minha árdua tarefa de analisar profundamente aquela sociedade fui surpreendido com um ataque baixo. Uma das crianças notou o que eu estava prestes a fazer e rapidamente se pôs entre mim e o objeto misterioso. O sujeito já possuía a habilidade de se colocar em pé sobre as duas patas traseiras, o que obviamente lhe conferia muito mais velocidade do que eu.
“Meu, meu. O patinho é meu!”. - PATINHO, então esse era o nome daquele objeto misterioso amarelo. Apoiado em meus joelhos e tentando manter o equilíbrio com os braços tentei uma manobra ousada e me arremessei em direção ao guardião do patinho.
Infelizmente minhas intenções não obtiveram sucesso e tudo o que consegui fazer foi bater com força nos pés da criança que reivindicava a posse do objeto em disputa. O que fez ele ficar furioso, tentou usar os dentes para na tentativa de me afastar. Mordeu meu ombro tão ferozmente que senti a maior dor do mundo, a maior dor que aquele corpo já havia sentido. Não pude controlar meus impulsos e chorei copiosamente, alto suficiente para dissuadir o agressor de novas tentativas.
Uma tia apareceu rapidamente para me retirar da zona de batalha. Se pelo menos eu ainda tivesse as habilidades do meu outro corpo, o corpo de general. Eu teria facilmente subjugado meu oponente.